AS PRIMEIRAS A TOCAR O SINO
Há tempos eu pretendia relatar com alguns detalhes a modalidade de peregrinação Caminhos de Caravaggio. A chegada de mais uma romaria e festa em homenagem à Santa foi a deixa, contar como foi a experiência para duas pioneiras, que praticamente “inauguraram” a trilha de 200 quilômetros, era o que eu procurava.
Maria Inês Cavalli (58) e Bruna Cavalli Barbieri (28), de Gramado, poucas semanas após a implantação do roteiro, em 2019, juntaram na mochila um par extra de calçado, saco de dormir, capa de chuva, algumas roupas e partiram de Canela a Farroupilha no passo a passo.
Experiência em trekkings: nenhuma. Preparação física para os 200 quilômetros: só caminhadas no bairro. Vontade de chegar lá: toda do mundo! A tia e a sobrinha ainda se impuseram um desafio maior, que era percorrer o roteiro, normalmente feito em dez dias, em sete, devido a compromissos de trabalho.
Inspire-se no que elas fizeram e veja como a fé torna o difícil bem mais fácil:
Bruna, Maria Inês e as setas do caminho
A PARTIDA
Às 7:45 do 17 de junho de 2019, a dupla sai do Santuário de Caravaggio, em Canela, acompanhada de Mara Cardoso (também na foto ao lado), que vai caminhar com elas no primeiro dia. Passam pelo Mercado JS para carimbar a caderneta e vão saborear o bifinho do Volks Bar. Uma das razões da caminhada é fazer o caminhante provar as coisas simples e típicas de cada lugar. Na Prefeitura de Canela, o prefeito Constantino Orsolin chama as peregrinas para desejar boa sorte. Bruna e Maria Inês resolvem ganhar tempo, indo até o ponto final da segunda “perna”, que é a Linha Furna, interior de Gramado, onde chegam já sem o sol. Foram 32,6 quilômetros onde Inês já perceberia que, piores que as subidas, são as descidas.
SEGUNDO DIA
Partem da Pousada Colina de Pedra para vencer mais 20,8 quilômetros. Bruna logo descobre que terá nos pés a companhia das bolhas, que a farão algumas vezes apelar para o chinelo de dedo. Cruzam a Ponte do Raposo, sobre o Rio Caí, e chegam a Vila Oliva, já no município de Caxias do Sul. Descanso na Pousada da Dona Solange, anfitriã que preparou cheeseburguers, que nunca tinha, ela própria, provado. Comeu pela primeira vez acompanhando as duas hóspedes.
DIA TRÊS
Caminhando além dos 15,6 quilômetros que levam até Santa Lúcia do Piaí (ainda em solo caxiense), as peregrinas não pernoitaram ali. Seguiram adiante, encarando mais 23 quilômetros de caminhada rumo à Hospedaria Bom Pastor, na Linha Brasil (Nova Petrópolis). Bruna e Maria Inês ficam sabendo através de um colono que colhia milho que a jornada delas estava sendo acompanhada por muitos, inclusive os organizadores dos Caminhos, haja vista que elas estavam sendo as primeiras a percorrê-los. Isto é, além de Deus, tinha gente zelando por elas. No caminho, a solidariedade tocante continua a aparecer. Um homem simples, seu Guerino, convida as duas para entrarem na sua casa e almoçarem com ele, um excelente feijão com bergamotas de sobremesa. Como na caminhada não conseguiam contato com a Hospedaria Bom Pastor para saber se havia vagas, acharam melhor pedir abrigo em umas cabanas ao lado de um lar de repouso, na subida para a localidade de Pedancino (NP).
QUARTO DIA
Partindo de Pedancino no 20 de junho, era dia de atravessarem as Nove Colônias. Destino estabelecido no roteiro: o bairro Piá, ainda em Nova Petrópolis. Fatos pitorescos continuavam acontecendo, como o aviso de um homem que parou a camionete para oferecer carona, recusada: “Fiquem atentas porque tem leão por aqui”. “Bem”, diz Maria Inês, “se um leão aparecesse, não haveria o que fazer. Seguimos adiante”. Se houve momentos em que se acharam perdidas no roteiro? Um único, mas foi só impressão, quando caminharam mais que o normal até encontrarem a famosa seta amarela, indicadora da rota.
RUMO A VALE REAL
No quinto dia, muita descida. Novamente iriam ao encontro do Rio Caí, em Vila Cristina. Percorrer longos trechos sobre o asfalto acaba não sendo muito interessante para o peregrino, pois o barulho incomoda e o tráfego de veículos e caminhões sempre traz seus perigos, além de terem que cruzar seguidamente a pista em busca de acostamentos maiores para caminhar. Após mais de 24 quilômetros, chegam à pousada planejada, em Vale Real, onde não havia vagas. Negociando com o proprietário, conseguiram um pernoite, sem café da manhã, desde que saíssem ao raiar do sol porque logo cedo chegariam hóspedes. Foi a solução.
O PENÚLTIMO DIA
Ainda caminhando em muitos acostamentos, o percurso do dia as levou até a Cantina (hoje Casa) Colombo, em Forqueta, onde Inês e Bruna inauguraram o serviço de hospedagem. Explicando: os Caminhos de Caravaggio, em 2019, era um fato novo para o proprietário, Antônio Colombo (ao lado, com Bruna), que já pensava em ampliar a oferta para além da boa mesa e vinhos, passando a oferecer estadias. Naquele 22 de junho, chegam as duas hóspedes cansadas, o homem pede à esposa para comprar roupas de cama e providencia um jantar para as primeiras hóspedes. Quanta honra!
A EMOÇÃO DA CHEGADA
Duas mulheres de Gramado nunca irão esquecer o Domingo, 23 de junho de 2019. Não foi dia de descanso, mas o último de uma semana de muito trabalho para as pernas. Chegam, por volta de 3 da tarde, ao Santuário de Caravaggio em Farroupilha com o corpo cansado mas a alma leve. Outro privilégio, foram as primeiras peregrinas a acionar, com as mãos juntas, o sino que anuncia a chegada de caminhantes que venceram o Caminho. Nesse último dia, Anita Cavalli e, novamente, Maria Cardoso fizeram companhia (as quatro, na foto ao lado). Maria Inês repetiria a experiência em 2021, seguida de um Caminho de Santiago, por Portugal.
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